Saúde mental e tripulantes

por Dra. Maria Leticia Fernandes Oliveira Nascimento, médica da Sampletrip e Dr. Everton Diniz, especialista em psiquiatria.

Um dos tópicos que os tripulantes mais trazem é a saúde mental.

“Posso embarcar tomando antidepressivo?” ou “Fui diagnosticada com bipolaridade, como isso afeta na minha profissão?”, foram alguns questionamentos que nos motivaram a elaborar esse blogpost.

Juntamos então, as reflexões de dois médicos sobre a saúde mental quando inserida no ambiente dos tripulantes.

A primeira reflexão, escrita pela Dra. Maria Letícia Nascimento (médica da Sampletrip), traz um olhar de quem está inserida no mundo dos tripulantes.

Já a segunda reflexão, do Dr. Everton Diniz (especialista em Psiquiatria), pretende mostrar o olhar de quem trata de dores psíquicas no dia a dia.

Confira os textos:

O Setembro Amarelo foi instituído no Brasil desde 2015 e serve para conscientizar e ajudar na prevenção do suicídio, problema de saúde mental que aflige tantas pessoas nos tempos de hoje. Este assunto se torna ainda mais relevante em se tratando de uma categoria profissional que foi fortemente abalada pela pandemia. Profissionais estes que exercem funções diversas num ambiente de confinamento, longe da família e amigos, com uma jornada de trabalho intensa e, algumas vezes, enfrentando o medo do desconhecido, do idioma diferente, dos novos chefes e colegas de trabalho. Trata-se de vocês, tripulantes de Cruzeiros! O que tem a ver o Setembro Amarelo com os tripulantes de Cruzeiros, em tempos de pandemia? Tudo!

Desde o final de 2019, os tripulantes vêm sofrendo muito com as consequências da pandemia de Covid-19. No início, quando tudo ainda era desconhecido, muitos deles permaneceram a bordo de Cruzeiros em diferentes lugares do mundo, sem poder sair devido ao fechamento de fronteiras e de aeroportos e sem saber ao certo o que viria pela frente. Alguns permaneceram nessa situação durante meses, literalmente confinados numa cabine para evitar novos surtos a bordo, até que a situação aeroportuária se tornasse viável para o retorno ao país de origem. Este já foi um grande desafio. Como se não bastassem as consequências das perdas afetivas trazidas pela pandemia para todos nós, a grande maioria dos tripulantes permaneceu por mais de 1 ano sem nenhuma fonte de renda e, pior, sem saber quando voltaria ao trabalho. Os relatos deles, nos emocionam, algumas vezes ainda abalados pela dor das perdas vividas. O que dizer do tripulante que não conseguiu dar o último adeus ao pai falecido com Covid-19? E aqueles tantos que passaram e ainda passam graves problemas socioeconômicos? 

Enfim, com o avanço da vacinação no mundo, as companhias de Cruzeiros estão retomando as suas atividades, num ensaio à normalidade. Nós da Sampletrip, também estamos inseridos neste cenário de retomada e estamos mais que nunca acolhendo todos os tripulantes num atendimento que ultrapassa uma simples consulta médica ou uma coleta de exames. Estamos preparados para ACOLHER a todos que nos procuram, no sentido mais amplo da palavra acolhimento.

Este Setembro Amarelo está coberto de uma simbologia mais que especial; para nós da Sampletrip, este mês alusivo aos cuidados que devemos ter com a saúde mental representa os cuidados que estamos tendo com cada um dos tripulantes sobre a importância mais do que nunca, de embarcar com a saúde mental em dia. Durante a entrevista médica, são coletadas informações importantes sobre a saúde mental do tripulante. Para aqueles que relatam estar utilizando 'medicamentos controlados' para tratamento de insônia, ansiedade ou depressão, ou outra alteração psíquica, sempre orientamos a retornar com o médico psiquiatra para realizar o desmame do medicamento. Embarcar com esse tipo de remédio além de não ser recomendado pelas próprias companhias de Cruzeiros, pode significar problema sério de instabilidade emocional a bordo, diante do cenário relatado anteriormente, podendo levar a um desembarque e repatriação, situações que nenhum tripulante deseja. Portanto, você que já é tripulante de navio ou que gostaria de iniciar nesta carreira, dê importância a sua saúde mental. Durante a entrevista médica, seja sincero, relate todos os problemas de saúde e não se esqueça de compartilhar eventuais dúvidas ou sentimentos de tristeza, ou ansiedade que possam estar interferindo no seu convívio social. Daremos total direcionamento e compartilharemos com vocês a importância de embarcar com a saúde mental em dia. Medicamentos ansiolíticos para auxiliar a perda de peso também devem ser evitados a bordo. Caso o tripulante esteja tomando algum desses remédios controlados a suspensão ou o desmame (redução da dose) deverá ocorrer apenas com a orientação médica especializada, a fim de que não ocorram eventos adversos indesejáveis. 

Lembre-se: a sua saúde mental importa a você e a nós da Sampletrip. Somos o seu parceiro e o ajudaremos nestes tempos de tantas dúvidas e dificuldades vividas, na certeza de que tudo isso vai passar! Conte conosco!

Dra. Maria Letícia Nascimento


Com o avançar da complexidade humana, nada mais esperado que a mente se tornasse protagonista da nossa saúde atualmente.

Independente de cada realidade psicossocial, cultural e de atuação profissional, todos devem seguir, cada vez mais, essa tendência em prol da sua plena qualidade de vida.

Ao ser convidado pela Sampletrip para tratar sobre esse assunto, em um mês tão importante no combate do agravo de uma saúde mental em desequilíbrio, mas também de combate à desinformação e à psicofobia, tentei contribuir de forma bem compatível com a “urgência” da nossa realidade atual.

Começando pela primeira pergunta que me fizeram: “Qual é a importância de sempre ser sincero com o profissional que te acompanha?”.

Muitas vezes, frente a questões complicadas, as pessoas tendem a menosprezar, diminuir e até esconder certos fatos de dimensões importantíssimas do seu profissional de saúde mental, seja psiquiatra ou psicólogo. Esse comportamento, muitas vezes automático e inconsciente, acaba por disfarçar sua dor, tornando-a menos palpável.

Entretanto, em outros casos, essa ação é intencional, visando um interesse secundário em estar bem, embora tão prejudicial quanto.

Entre esses interesses secundários, podemos citar a própria realidade dos atuais e futuros tripulantes que devem estar acompanhando esse texto. A pressão por alcançar seu ideal de trabalho e a necessidade financeira inerente à nossa sociedade podem levar-nos a acreditar que podemos deixar nosso bem-estar mental para depois, frente a outras urgências mais palpáveis, sem nos darmos conta de que a nossa estrutura psicológica é o alicerce para atuarmos bem e desfrutarmos de qualquer experiência.

“E se alguém já faz algum tratamento?”, me perguntaram. Nesse caso, é importante também, muita organização e planejamento, digamos assim. Digo isso visto que, em uma situação como essa, o tripulante tem que estar certo do seu quadro atual, através de uma boa avaliação dos profissionais que o acompanham, algo permitido pela comunicação clara.

Imaginemos um caso em que a pessoa está em acompanhamento de saúde mental e em uso de medicamentos psiquiátricos. Depois de algum tempo, teve uma boa resposta e sente-se bem. Nesse momento, chegamos a uma questão importante: o “desmame” da medicação. Nenhuma medicação psiquiátrica pode ser retirada subitamente, seja pelos efeitos orgânicos dessa ação, quanto pelas grandes chances de desestabilização do quadro. O acompanhamento regular nesse período, inclusive, permanece sendo fundamental, o que pode influenciar em exercer atividades como de trabalhar em navios.

Claro que, casos como esse, trata-se de transtornos, digamos assim, pontuais e episódicos, como por exemplo, um Episódio Depressivo, Transtorno do Pânico ou algum Transtorno de Adaptação a um estresse.

No campo da saúde mental, muitas vezes teremos casos de transtornos chamados crônicos, quadros controláveis, mas sem cura definitiva. Como marcantes exemplos, temos o Transtorno Afetivo Bipolar, os Transtornos de Personalidade e o Transtorno Depressivo Recorrente, entre outros.

Nesses casos, o acompanhamento e tratamento contínuo são essenciais para o bem-estar da pessoa e de sua capacidade de produzir e gerir a vida.

Traçando um paralelo, é evidente que o trabalho é uma dimensão importante entre os pilares do nosso viver. Com isso, é de extrema importância considerar o impacto deste, no nosso bem-estar individual.

O que quero dizer com isso é que, independentemente de ter um transtorno mental de base ou não, mas mais importante ainda se tiver, a pessoa deve refletir sobre sua forma de lidar com as frustrações, seu padrão de resposta a fatores estressores e seus traços de personalidade, para identificar se certa ocupação se adequa às suas demandas e capacidades emocionais. Dado que esta pode ser de enorme importância terapêutica, mas também podendo ser um verdadeiro “vilão”. Este último, principalmente, se a pessoa deixar seu tratamento e cuidado de lado pelo motivo que for.

Por fim, gostaria de finalizar essa minha breve colaboração nesse projeto refletindo sobre uma famosa frase de Jung (que inclusive tenho tatuada): “tudo aquilo a que você resiste, persiste”.

Se não conseguirmos contemplar nosso sofrimento e entender sua origem e finalidade, permanecendo para sempre tentando fugir de nossas emoções e tarefas, mais próximos da dor ficamos.

Se permita, busque ajuda e ofereça apoio para quem precisa. Assim vai ficar tudo bem.

Dr. Everton Diniz

Anterior
Anterior

#Sampletripresponde: o que impede o embarque?

Próximo
Próximo

ENG-1: A certificação norueguesa para tripulantes! Onde conseguir, como e quando.